José
É desconcertante ver como a vida torna algumas pessoas tristes e outras graciosas. Duas pessoas podem atravessar o mesmo vale de circunstâncias desanimadoras. Uma sai com res¬sentimento e desânimo, a outra com renovado vigor e alegria. Para alguns, a tragédia os edifica; mas para outros, os desmorona. Alguns crescem; outros murcham. Por quê?
O que acontece a nossos sonhos pode nos tomar rudes ou afá-veis. Todos nós possuímos planos, esperanças e perspectivas para a vida. Raras vezes eles chegam a se concretizar do modo exato como antecipamos. Não obstante, alguns superam os contratempos na realização de seus sonhos certos de que Deus está elaborando um plano mais importante, enquanto outros imobilizam-se pela derrota, mergulham em amarga auto-incriminação ou culpam as pessoas ao seu redor pelas desigualdades da vida. O ponto em questão é: como você procede quando as circunstâncias parecem se opor aos seus sonhos mais acalentados? Ou, como uma mulher perguntou indignada: “O que você faz quando a vida lhe dá um duro golpe?”
Veja o que acontece a alguns de nós. Deus nos chama para ser sonhadores. Ele deseja dar-nos uma visão do que a vida pode ser. Em seguida, mediante a nossa oração perseverante, ele nos oferece uma chamada especial que se ajuste com perfeição aos talentos que nos concedeu e aos dons espirituais que nos confiará. Forma–se em nossa mente um quadro de nosso destino. Sua chamada ressoa em nossa alma. Firmamos um compromisso de seguir o Mestre até às aventuras mais sublimes. E, então, as circunstâncias adversas se levantam qual nevoeiro a nos separar do calor e do esplendor do sol. O que aconteceu? Deus inverteu a sua orientação?
Era nosso sonho apenas auto-engrandecimento?
Uma das lições mais difíceis e de maior desafio na escola da obediência e da fé, é que o Deus que concede o sonho também prepara o sonhador para concretizá-lo. O que atravessamos quando nos movemos em direção aos alvos que Deus nos dá, foi idealizado com perfeição para formar grandes pessoas, capazes de lidar com um grande sonho. Esta é a importante verdade que José tem para nos ensinar.
Faça um presente a si mesmo. Leia os capítulos trinta e sete até o cinqüenta de Gênesis. Conheça um dos mais notáveis sonhadores do Antigo Testamento. O homem afável com quem nos deparamos ao final do relato não poderia ter apreciado ou se apropriado de seu sonho sem atravessar o vale das vicissitudes. Enquanto acompanhamos a peregrinação de José, vemos cinco poderosas diretrizes para sonhadores desapontados.
A primeira é: Deixe Deus ser Deus de seus sonhos. José, um jovem de dezessete anos, era o filho favorito de Jacó. O patriarca criou o rapaz com um sentimento de que ele era especial e querido, e lhe deu um senso de destino. A sua fé foi bem alicerçada no que aprendeu dos encontros de seu pai com Deus. Mas a infância de Jacó afetou a educação de José. Como acontece na maioria dos casos, o que se nega ao pai este prodigaliza no filho. O esforço de Jacó para obter a bênção de Isaque tornou-o solícito demais em abençoar José. O resultado foi a rivalidade com seus irmãos. José possuía confiança própria, mas era uma segurança próxima à arrogância. O favoritismo de Jacó chegou ao cúmulo de dar a José uma longa túnica, com a qual ele andava nos arredores, orgulhoso feito um pavão. Ela simbolizava a aristocracia e a isenção de trabalho árduo. A túnica inflamava o ciúme dos irmãos de José.
Nem José nem seus irmãos estavam preparados para o sonho que ele teve certa noite. Sua família e ele atavam feixes no campo. Em dado momento, um feixe se pôs de pé e os outros se curvavam diante dele. O feixe era José! Como se isto não bastasse, o sonho vinha acompanhado de outro com o mesmo impacto: o Sol, a Lua e onze estrelas se curvavam ao sonhador. Para um rapaz de de¬zessete anos, este é um sonho envaidecedor. A proteção do pai e a falta dos rigores da disciplina e do trabalho árduo deixaram-no mal preparado para lidar com o sonho. Faltou-lhe a humildade para refletir em silêncio no seu coração. Em vez disso, ele contou o sonho a toda a família. Jacó censurou o filho, mas o sonho já tinha causado dano ao ego conturbado de seus irmãos. A sorte fora lançada e uma coisa terrível estava para acontecer.
Esse fato se deu no vale de Dota. Jacó enviara José para su-pervisionar os irmãos no trabalho de pastorear os rebanhos. Quando estes notaram que José se aproximava, a ira e o ciúme de longo tempo subiram-lhes à cabeça: “Vem lá o tal sonhador!”, diziam com desdém. “Vinde, pois, agora, matemo-lo, e lancemo–lo numa destas cisternas; e diremos: Um animal selvagem o comeu; e vejamos em que lhe darão os sonhos!” (Gênesis 37:1920).
Somente a intervenção de Rubem (quem colocou a idéia em sua mente?) salvou a José. “Não derrameis sangue; lançai-o nesta cis¬terna que está no deserto, e não ponhais mão sobre ele” (Gênesis 37:22). Assim eles lançaram mão da linda túnica talar de mangas compridas e a rasgaram, e a José lançaram num poço de boca estreita e fundo largo. Enquanto José gritava, suplicando por so¬corro, os irmãos comiam pão. Nada, senão o próprio homicídio poderia ter expressado melhor o sentimento deles. Uma refeição para celebrar a morte de um irmão!
Mas os desígnios de Deus eram outros. Uma caravana de is-maelitas que ia de Gileade para o Egito se aproximava enquanto os irmãos saboreavam a refeição. Ah! a singular estratégia de um Deus capaz de fazer descobertas felizes! Agora, Judá alia-se a Ru¬bem em sua advertência. “De que nos aproveita matar o nosso irmão e esconder-lhe o sangue? Vinde, vendamo-lo aos ismaelitas; não ponhamos sobre ele a nossa mão, pois é nosso irmão e nossa carne” (Gênesis 37:26-27). José foi vendido por vinte ciclos de prata e levado para o Egito. Seus irmãos pegaram a túnica repugnante, molharam-na em sangue de bode e foram a Jacó com a mentira de que seu amado filho estava morto.
Você poderia esperar uma série de circunstâncias mais adequadas para contradizer um sonho? Penetre na mente de José levado embora, preso com correias às costas de um camelo. Sinta o que ele sentiu ao agachar-se cautelosamente em volta da fogueira do acampamento dos ismaelitas à noite. Passe a viver através de noites de solidão e dias exaustivos, da perspectiva de um rapaz de dezessete anos, assustado, só e com saudades de casa. E, contudo, o primeiro passo da preparação do sonhador para o cumprimento do seu sonho havia começado. Grandes coisas Deus reservara para José.

A arrogância devia ceder ao caráter, a autoconfiança à dependência e confiança em Deus apenas. Nada havia de acontecer com José que o Senhor não usasse para torná-lo num útil instrumento.
Deixar Deus ser Deus de nossos sonhos é reconhecê-lo como a fonte da visão para a nossa vida. A essência é o louvor e não o orgulho. Tudo o que temos e somos são uma dádiva dele. Não podemos interpretar nossa chamada como superioridade. Ela exige responsabilidade e obediência. Quando Deus dá uma esperança e uma expectativa, estas devem ser-lhe devolvidas para que a seu tempo, e segundo o seu plano se realizem. José interpretou mal o seu sonho. Ele seria abençoado para que pudesse ser uma bênção. Após a comunicação do sonho, convinha que se seguisse a trans¬formação do sonhador. Essa transformação jamais poderia acontecer em meio à complexa trama de favoritismo do pai e rivalidade dos irmãos. Deus cerra e abre portas. Ele sabe o que faz.
Algo aconteceu a José no caminho para o Egito. Não poderia ser o homem de fé em que se tornou sem essa transformação. Toda a obstinação herdada de Jacó estava-se acabando. É surpreendente como cada geração deve aprender por si mesma. A única coisa que Jacó não havia sido capaz de partilhar ao filho era que, na luta com o Senhor, o Senhor sempre vence.
Isso nos leva à segunda parte da história de José e à outra verdade que podemos aprender com ele — Deixe Deus ser Deus quando as circunstâncias parecem contestar o seu sonho. José foi vendido a Potifar, comandante da guarda pessoal de Faraó. Embora jovem, José alcançou poder e prosperidade e ficou encarregado de toda a casa do oficial egípcio e de tudo o que tinha. A história, neste ponto, podia ter chegado ao fim; se a família de José soubesse, com toda a certeza se curvaria à sua posição. Mais uma vez as circunstâncias pareciam contra o sonhador. Ele foi preso sob falsa acusação. Contudo, o relato nos diz muito do que acontecia à fé que José tinha. Por causa de sua lealdade a Potifar e submissão a Deus, ele recusou as propostas sexuais da esposa de Potifar. “Como, pois, cometeria eu tamanha maldade, e pecaria contra Deus?” (Gênesis 39:9). Quão diferente do rapaz comodista que observamos alguns anos anteriores. O Senhor era a segurança e o centro de sua vida. Uma fé infantil se transformara em autenticidade e integridade varonis. Nenhuma circunstância seria capaz de con¬tradizer esse fato. Mas sua moralidade centrada em Deus custou-lhe caro. Levou-o à prisão. O Salmo 105:18 nos informa que seus pés foram posto em ferros. Mas Deus usou essa experiência para pôr ferro em sua alma. José aprendeu que não achamos a Deus nas circunstâncias; nós é que o trazemos às nossas circunstâncias. A graça de Deus é maior que a aflição da vida.
Uma heresia que engana e confunde a muitos diz que quanto mais crescemos na graça de Deus mais fáceis as coisas se tornam. Por isso quando nos deparamos com provações, nosso primeiro pensamento é: Deus está me punindo. Ou então supomos que, se orássemos mais, as circunstâncias não frustrariam os nossos sonhos. Esse pensamento não se coaduna com a vida dos grandes homens e mulheres do Antigo Testamento, com a vida e mensagem de Jesus Cristo, nem com os santos, mártires e fiéis seguidores do Mestre. Precisamos ser mais duros em nossa maneira de pensar. Nossa oração não deve ser por vidas fáceis, mas por vidas capacitadas por Deus, que se tornam grandes pela sua graça. Algumas dificuldades são, sim, o resultado de rebelião e desobediência, mas se confessarmos a nossa falta poderemos então prosseguir para as questões elevadas que ampliem e abram os nossos corações o bastante para conter o Espírito de Deus.
As épocas em que mais tenho amadurecido e sido moldado na pessoa que Deus pretende que eu seja, têm sido de desafios e contratempos que exigem pura dependência. Quando mais me senti só, encontrei um Amigo que jamais esquece ou abandona. Eis um exemplo recente: Quando lancei um programa nacional de televisão, as necessidades financeiras foram tão grandes que o futuro desse ministério estava em jogo. Uma noite, foi tal a minha preocupação que não podia dormir. O orgulho me impedia de levar as necessidades ao conhecimento dos telespectadores. Não desejava pedir donativos nem dar a impressão de que tais ofertas fossem um requisito da amizade que partilhávamos no programa. No entanto, sem uma significativa arrecadação de fundos eu não poderia continuar. “Que posso fazer, Senhor?” perguntei repetidas vezes du¬rante a longa noite em luta com o problema. “Você deve confiar em mim e contar aos telespectadores a urgente necessidade”, o Senhor parecia responder. “Porei a resposta nos corações deles.”
Até essa altura, o ministério pela televisão era algo que eu tentava realizar para o Senhor. Agora, percebia que o ministério pertencia a ele e não a mim. Eu tinha de abrir mão de seu futuro. Cumpria-se o inverso do velho ditado: “o Senhor dá, o Senhor tira”. Neste caso, o Senhor parecia tirar e dar de volta. Nas semanas que se seguiram à renúncia do futuro do ministério, engoli o meu orgulho e pedi a ajuda das pessoas. A resposta veio esmagadora. Não apenas ficou assegurado o futuro do programa, mas os fundos permitiram uma grande expansão. Tornou-se possível, como conseqüência, a estruturação do programa para toda uma rede nacional.
Após essa crise, senti nova liberdade a respeito do programa. O pânico se foi. Em seu lugar surgiu uma firme confiança, não em minha habilidade de manter o programa no ar, mas na providência do Senhor. Seus planos estavam acima do que eu ousava imaginar. Eu tinha de ceder.
Tive a mesma experiência no casamento. Alguns anos atrás, quando minha esposa e eu discutíamos por questões insignificantes, constatei que o rompimento em nossa comunhão resultava de minha própria insegurança, manifestada em forma de controle. No¬vamente aqui tive de clamar: “Senhor, ajuda-me! Não posso com isso sozinho. Transforma o meu casamento, mostrando-me o tipo de marido que preciso ser para minha esposa.” Esse foi o início de minha cura, que resultou numa nova vida de felicidade e romance no meu casamento.
A mesma coisa tem acontecido com freqüência nos relaciona-mentos difíceis decorrentes de minha posição de líder. Quando chegam as crises, e elas vêm para todos, volto-me para o Senhor em busca de solução e conforto. Então com paciência ele me revela o que fazer e abre o caminho para a solução humanamente impossível.
Ao longo da jornada da vida, como é natural, já tive oásis de descanso e gratidão, pausas para a renovação de forças e rejuve-nescimento. Mas essas épocas de espera, após a renúncia dos cru-ciantes problemas, têm sido de crescimento. E para você?
A grandeza no Espírito surge da confiança e da antecipação. Quando realmente cremos que o Senhor está no comando, po¬demos descansar na certeza de que seus planos prosseguem através do que está acontecendo conosco e ao nosso redor.
Certa frase repete-se por todo o relato das provações de José: “Mas o Senhor era com José”. Substitua o nome de José pelo seu próprio. O Senhor é com você. Podemos assumir qualquer coisa com base nesse conhecimento. Mark Twain, com seu característico humor, falou da constância da irregularidade: “Não espere que a vida se estabeleça numa suave regularidade antes de crer que Deus está com você, pois você terá uma longa espera e não perceberá a verdade de que a realização do seu sonho não é metade da aventura, mas a própria aventura!”
A capacidade de José para a liderança, mais seu caráter e per-sonalidade compelidores e cheios de Deus, atraíram o carcereiro. Uma vez mais ele subiu ao poder, dessa vez como encarregado de todo o cárcere! Deus possui senso de humor, não é verdade?
Se José não tivesse sido lançado na prisão não teria encontrado os desleais padeiro e copeiro de Faraó. Estamos falando de cir-cunstâncias contraditórias. Que lhe parecem essas situações pre-paradas por Deus para nos compelir ao sonho que ele nos deu? Tanto o padeiro como o copeiro tiveram sonhos. O sonho estratégico arranjado por Deus foi o do copeiro. Em seu sonho havia uma videira com três ramos que produziam uvas. Ele tomava o copo de Faraó, espremia nele as uvas e dava o vinho a Faraó. José, o sonhador de Deus, num instante fez a interpretação: em três dias o copeiro seria solto e voltaria a servir a Faraó. E aconteceu. Agora, dois anos mais tarde, o copeiro se achava numa posição decisiva para se lembrar do talentoso e enigmático hebreu que encontrara na prisão, pois Faraó teve um sonho estratégico nos planos de Deus para o Egito, para José e, com o tempo, para o nascimento da nação hebraica.
Faraó sonhou com sete vacas magras e sete gordas. As magras devoravam as gordas. E a este sonho seguia-se outro de sete espigas cheias e boas, que cresciam de uma só haste, acompanhadas de sete espigas mirradas e crestadas do vento oriental. “Qual o significado disso?” desejava saber Faraó. Os sonhos desafiavam os poderes de interpretação dos magos do soberano. Ah, o humor de Deus! O copeiro lembrou-se de José e mencionou-o a Faraó. Concedida a audiência, José informou a Faraó que não possuía poderes de interpretação de sonhos, mas servia a um Deus poderoso. José aprendera uma dura lição através do sofrimento. O que vemos diante de Faraó é um homem dependente de Deus, que permitira que Deus fosse o Senhor de seus próprios sonhos. A arrogância dos anos anteriores se fora, deixando em seu lugar a humildade que apenas o sofrimento é capaz de produzir.

Lembra-se da interpretação que ele deu ao sonho de Faraó? 0 Egito teria sete anos de prosperidade, seguidos de sete anos de escassez. A inteligência elevada que Deus concedeu a José é apro-veitada para dar a Faraó conselho muito importante: nos anos de prosperidade, preparar-se para os anos de escassez, enchendo os celeiros. Faraó ficou tão surpreso com o discernimento de José e com a aplicação prática, que o fez primeiro-ministro, vice-gover-nador de todo o Egito, segundo no poder! Na realidade, não o segundo apenas em relação a Faraó — o Senhor do Universo vinha em primeiro lugar na vida de José.
Gostaria de salientar o que Deus está tentando nos transmitir nesse ponto da história de José. Ele não apenas nos dá sonhos e nos prepara para vivê-los, mas a outros também concede sonhos que se ajustem aos nossos e nos levem para a frente, cumprindo assim os seus propósitos para a nossa vida. O Senhor está sempre pronto a desdobrar as necessidades de uma pessoa a fim de cumprir seus propósitos em outra. Pense nas pessoas que chegaram na hora certa para nos ajudar. Algumas eram amigas, outras hostis. Mas Deus a todas usou.
Chegamos, assim, à terceira grande descoberta em nosso estudo da vida de José — deixe Deus ser Deus nos sucessos da vida. A crescente grandeza de José se manifestava não somente no modo como suportava as dificuldades, mas em como lidava com o su¬cesso. Em nenhuma época, no relato de sua magistral liderança do Egito, ele usou o poder para o seu próprio engrandecimento. Serviu a Deus ao servir o Egito, como se sua tarefa fosse nomeação divina. Construiu celeiros e os preparou para os tempos de fome. Ao fazer isso, ele salvou ao Egito e a todos os povos circunvizinhos nos anos de escassez.
Deus dá sucesso espiritual aos que lhe dão a glória. Não devemos ter aversão ao sucesso mais que às dificuldades. Há épocas de triunfo, bem como de turbulência na vida cristã. Podemos agradecer ambos a Deus. Eficiência na vida cristã, reconhecimento e ascensão na liderança são boas ocasiões para adoração e confiança mais profundas.
Deus havia preparado um homem e agora estava pronto para usá-lo em sua estratégia de criar um povo escolhido. Ele levaria Jacó e sua família para o Egito, não somente a fim de livrá-los da fome, mas a fim de desenvolver através deles uma nação digna da terra prometida, e distinta como seu povo.
A fome que atingiu o Egito também devorou Canaã. Jacó foi forçado a enviar seus filhos ao Egito em busca de trigo. O temor de que algum mal lhes sobreviesse fê-lo reter o filho mais jovem, Benjamim, único remanescente de sua amada Raquel. Isso nos leva ao ponto seguinte, no qual se desenrola a parte final do sonho de José, e também a outro discernimento — deixe Deus ser Deus sobre os fracassos dos que frustraram os sonhos que ele lhe deu.
Em sua primeira viagem ao Egito para comprar comida, os irmãos de José não o reconheceram. Haviam decorridos mais de vinte anos desde que o viram pela última vez, e além disso ele se vestia como egípcio. Imagine o misto de sentimentos que se apossou de José ao avistar seus irmãos — os mesmos que no auge do ódio e ciúme venderam-no aos ismaelitas! Ele tinha poder para executá-los imediatamente, torturá-los até que admitissem o crime que cometeram, abalá-los ao revelar sua identidade naquele instante. Em vez disso, ele expressa imensa bondade, porém acompanhada de um pouco de humor e intriga. A provação que José impôs a seus irmãos, antes de se dar a conhecer, está de acordo com al¬gumas leis espirituais muito básicas e profundas de relacionamento e reconciliação. Quando permitimos que Deus seja Deus dos pe¬cados de outras pessoas contra nós, devemos servir de mediador do perdão de uma maneira adequada e aceitável. Isso não é fácil, como se percebe pela forma como José tratou seus irmãos. Era preciso que eles reconhecessem o seu próprio pecado antes que José pudesse oferecer-lhes o perdão. Esse processo o feriu mais que a seus irmãos.
Ao acusá-los de espiões, José colocou seus irmãos na defensiva. A história que contaram, protestando inocência e repetindo a mesma mentira acerca de José, partiu o coração deste. O temor deles era tanto que não puderam captar a nuance de ternura na voz do irmão, quando indagou: “Vosso pai ainda vive?” “Nós, teus servos, somos doze irmãos, filhos de um homem na terra de Canaã; o mais novo está hoje com nosso pai, outro já não existe”. Já não existe! É bem provável que José se sentisse tentado a se revelar e confrontar seus irmãos com a verdade. Mas o momento ainda não havia chegado.
“E como já vos disse: sois espiões” — e acrescentou: — “Nisto sereis provados: pela vida de Faraó, daqui não saireis, sem que primeiro venha o vosso irmão mais novo!” Após lançá-los na prisão por três dias, José jurou-lhes por Deus que manteria um deles na cadeia enquanto os outros fossem a Canaã e trouxessem seu irmão mais novo.
O desafio teve o impacto que José pretendia: a fria repressão da culpa, encoberta com camadas de mentira através dos anos, fendia-se de alto a baixo. Sentiram-se forçados a conferenciar entre si acerca do pecado deles contra José. E estranho como as crises de uma nova situação trazem de volta uma culpa não solucionada. Ao atentar para a auto-incriminação deles, José tem de retirar-se para chorar. Contudo, ele não revelou a sua verdadeira identidade. Uma ferida tão profunda não se curaria com fáceis e baratas ofertas de perdão. Haja vista que José não amoleceu: manteve Simeão e enviou os nove irmãos a caminho de Canaã, com suas sacolas cheias de trigo. E mais: por ordem secreta, desconhecida deles, o dinheiro que pagaram pelo trigo fora devolvido. Quando abriram o saco e viram o dinheiro, manifestaram novamente o sentimento de culpa. Em vez de satisfação, apoderou-se deles o temor e in¬dagaram: “Que é isto que Deus fez a nós?”
Jacó, ao saber que Simeão fora mantido como refém, foi aco-metido pela dor e recusou-se a aceder ao pedido do governador do Egito. Mas a fome piorou deixando-lhe pouca escolha. Finalmente, decidiu enviar os filhos de volta ao Egito, levando Benjamim. O risco, para Jacó, era perder todos os herdeiros. O que aconteceria às promessas feitas a Abraão e Isaque? O que ele não sabia era que a promessa estava a cumprir-se em sua renúncia, agravada pela dor de ver todos os seus filhos retornando ao Egito.
José foi brando em sua estratégia por ocasião do segundo en-contro com seus irmãos. Ele os cumprimentou de maneira calorosa e, comovido, chorou na presença de Benjamim. Simeão foi solto da prisão e celebrou-se uma grande festa. Gênesis 43:32-34 capta o drama encenado por José. O lugar de José era em uma mesa separada, com os egípcios. Para seus irmãos, dispuseram a mesa com todo o aparato segundo a ordem de nascimento: o mais velho no lugar de honra. Não admira que os irmãos se entreolhassem com espanto. Somente alguém que conhecia a família poderia ter planejado isso! Quem seria esse misterioso vice-governador do Egito? Mas ainda não chegara o momento da revelação. Os irmãos não estavam prontos.

Uma vez mais José os enviou de volta e, novamente, tomou providências para um novo encontro a caminho de casa. Seu próprio copo de prata fora oculto no saco de Benjamim. Depois que os irmãos seguiam satisfeitos o seu caminho, enviou José os seus servos para os deter e acusá-los do furto. Os irmãos alegaram inocência. Quando os sacos foram revistados, acharam o copo no de Benjamim. Eles rasgaram as suas vestes — um antigo gesto hebraico de total desespero e indignação — e quase tiveram um colapso nervoso.
Levados de volta à presença de José, prostraram-se em terra e repetiram a mesma cena do ambíguo relacionamento que tiveram com ele como vice-governador. Judá fez um fervoroso apelo para que não culpassem a Benjamim e o detivessem no Egito. Se voltassem sem Benjamim, Jacó, seu pobre pai, não poderia suportar a dor. Judá se dispôs a tomar o lugar do irmão. Foi a descrição do pesar de Jacó e a nobre oferta de Judá que, por fim, abriu completamente o coração de José. A prova de amor pelo pai e pelo irmão, que tanto lhes faltava na época em que estivera com eles, era o que ele estava esperando.
José deu ordens para que todos, exceto seus irmãos, se retiras-sem. Então, todo o amor e a solidão reprimidos para com sua família se sublimaram em lágrimas e choros tão altos que toda a casa dos egípcios ouviu. Poucas são, nas Escrituras, as exclamações com tanta emoção de dor como do clamor de José a seus irmãos: “Eu sou José; vive ainda meu pai?” (Gênesis 45:3). Ao ficarem espantados ao ponto de perderem a fala, José fez que se aproximassem para constatar que o vice-governador, na verdade, era o irmão que haviam vendido como escravo.
Vendo a culpa estampada na face deles, José suplicou-lhes que não se contristassem ou se indignassem consigo mesmos, mas per-cebessem que Deus tinha utilizado para bem o mal que haviam cometido. Atente para as suas palavras: “Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra, e para vos preservar a vida por um grande livramento. Assim não fostes vós que me enviastes para cá, e, sim, Deus” (Gênesis 45:7-8). Quando os irmãos estavam preparados, José concedeu o perdão que havia contido em seu coração. Este, porém, foi dado com a consciência de que Deus usa o pior para produzir o melhor.
Dessa vez os irmãos partiram com provisões completas. A missão deles era trazer Jacó e a família para o Egito. Se o encontro de José com seus irmãos foi triste e emocionante, seu reencontro com o pai haveria de ser o de maior ternura e alegria do Antigo Tes¬tamento. São bem vivas as cores com que a Escritura pincela José correndo em sua carruagem, indo ter com seu pai. No momento que os dois se encontraram, José abraçou a Jacó “e chorou assim longo tempo”. José atravessara uma angústia incrível, esperando por esse momento. Ele confiou em Deus quando tudo parecia impossível. O Senhor do impossível teve a palavra final.
Após a morte de Jacó, os irmãos vieram a José com as derradeiras palavras de instrução do pai: que deveriam buscar o perdão de José. Tal perdão já havia sido concedido, mas o velho e sábio Jacó sabia que os irmãos deviam fazer uma confissão mais clara. A reação a essa confissão tem ressoado através dos tempos como uma das mais belas explicações da providência divina. O sonho de José, segundo o qual seus irmãos se curvariam diante dele, era apenas o invólucro de um propósito muito mais importante: o plano de Deus. Deus usaria José como um instrumento estratégico na realização desse plano, e também como uma bênção para a sua família.
Assim é conosco. Precisamos dar mais importância aos sonhos e visões de nossa vida. Nossa vocação é parte de um plano maior que não pode falhar. Por conseguinte, podemos lidar com os outros de forma mais carinhosa e perdoadora. Todas as coisas que José teve de suportar o capacitaram a declarar: “Não temais; acaso estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade, incitastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Não temais, pois; eu vos sustentarei a vós outros e a vossos filhos. Assim os consolou, e lhes falou ao coração” (Gênesis 50:19-21).
Em retrospecto, José foi capaz de fazer essa declaração. Se pu-dermos também olhar para trás e aplicar essa mesma declaração ao que nos aconteceu, então ela se tomará, em meio à frustração e aos problemas que nos assaltam, nosso lema, nossa missão, e sólida base de esperança para o futuro. Deus usará a vida, as pessoas e as circunstâncias a fim de apressar a realização do sonho que tem para nós.
A história de José nos leva a uma introspecção sincera e sugere-nos fazer um inventário. Os conflitos da vida porventura aproximam-nos da confiança de José na providência divina? Além disso, tem-nos essa convicção transformado em pessoas perdoadoras e agradáveis? Quando percebemos o carinho com que Deus nos trata, ao mover-nos para frente em direção ao nosso sonho, podemos fazer menos pelos outros? Ele usou a cruz para nos dar a esperança de que além de nossos alvos terrenos temos um destino eterno. E daquela cruz de graça mediadora um, maior que José, disse: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”.
Um último princípio abrange todos os anteriores — Deixe Deus ser Deus do futuro, enquanto ele executa o seu propósito maior na história. Quando José expirava, fez uma formidável declaração que ressalta sua confiança inabalável em Deus. “Eu morro; porém Deus certamente vos visitará, e vos fará subir desta terra para a terra que jurou dar a Abraão, a Isaque e a Jacó. . . Certamente Deus vos visitará, e fareis transportar os meus ossos daqui” (Gênesis 50:24-25). Na morte, José tinha tanta confiança no cuidado de Deus como ele tivera durante todos os anos aflitivos da sua vida. Seu sonho pessoal se tornou parte do plano de Deus para o nascimento futuro de Israel como uma nação.
José podia morrer sabendo que nada inverteria a estratégia ir-revogável, imutável e impulsionadora de Deus. Podia tirar da mente a preocupação sobre o futuro, porque ele aprendera que Deus é digno de plena confiança. As sessenta e seis pessoas que Jacó levou para o Egito, além de José, sua esposa e dois filhos, perfaziam setenta. Quatrocentos e trinta anos mais tarde Israel deixaria o Egito com mais de dois milhões. Deus tinha um plano.
José é lembrado como um dos maiores homens da história por-que permitiu que Deus fosse o Deus de seus sonhos. Ele tornou-se melhor apesar de tudo, em vez de amargo por causa de tudo. E quanto a nós? A vida nos torna azedos ou amáveis? A prova de sermos amáveis é podermos afirmar com José: “Atentem para a vida, meus amigos. Ouçam-me os que vêem os outros como inimigos. O que no momento parece mal, Deus tomará em bem. Eu vou guardar o meu sonho!”

 
Retirado do livro:
Senhor do Impossível
Lloyd John Ogilvie
Editora Vida